Se há uma instituição verdadeiramente sólida e imutável em Portugal, não é a Segurança Social, nem o Serviço Nacional de Saúde, e muito menos o Estado de Direito. A estrutura mais resiliente da nossa jovem democracia é, sem a menor dúvida, a nobre e sempre fértil incubadora de talentos conhecida como juventudes partidárias. Aquelas mesmas que, de tão eficazes que são, já geraram Primeiros-Ministros que nunca pisaram um local de trabalho fora do perímetro político.
E o que são elas, perguntará o leitor mais ingénuo?
Pois bem, são uma espécie de creche para aspirantes a poderosos: um infantário ideológico onde meninos e meninas bem-nascidos (ou, por vezes, simplesmente ambiciosos) aprendem desde tenra idade a arte de sorrir para as câmaras enquanto debitam um discurso que até soa convincente, sobretudo se dito com paixão e olhar firme. Aqui, não se trata de formar jovens para a vida real; trata-se de moldar futuros governantes que, com um cartão de militante na mão, se julgam donos do destino de um país.
Escolhidos pelo Destino
Ao contrário dos meros mortais que passam a adolescência a decidir se escolhem Engenharia ou Gestão, os prodígios das juventudes partidárias crescem ao som dos hinos do partido e dos discursos inflamados nos congressos. O primeiro grande dilema de um jovem político não é “O que quero fazer da minha vida?”, mas sim “Inscrevo-me na JSD ou na JS? No CDS ou no Bloco? Qual me dá mais projeção no futuro?” Seja por contactos familiares, por simpatias pessoais ou por faro político apurado, dão-se de imediato conta de que este é o passe dourado para os bastidores do poder.
Com o cartão de militante devidamente carimbado, seguem-se os primeiros passos: aparecer em todas as fotografias ao lado dos senadores do partido, assistir a jantares de angariação de fundos (onde se aprende a piscar o olho à comunicação social) e decorar a liturgia partidária com o fervor de um recém-convertido. Tudo isto antes mesmo de terem idade para beber legalmente um copo de vinho, entenda-se.
De Estudante a Líder da Nação
Imaginemos agora uma empresa multinacional: é impossível pensar que um recém-licenciado, sem qualquer experiência de trabalho real, possa ser promovido a CEO. Mas, em Portugal, é perfeitamente plausível que um jovem acabe de sair da faculdade, com zero quilómetros de estrada profissional, e vá diretamente para deputado, secretário de Estado ou até ministro. Eis o verdadeiro milagre da política lusa: saltar da Associação de Estudantes para o Governo em meia dúzia de anos.
Casos não faltam: José Sócrates e António Costa são exemplos de Primeiro-Ministros que nunca tiveram emprego de relevo fora da política. As suas carreiras construíram-se maioritariamente de dentro, como se a vida real – aquela que envolve bater ponto, ter um chefe que não veste a mesma cor partidária e enfrentar avaliações de desempenho – fosse uma miragem dispensável para quem tão cedo se consagrou à causa pública. A lógica subjacente é tão simples quanto desconcertante: se alguém consegue navegar com mestria nos congressos, colóquios e máquinas de influências, é porque, presume-se, saberá governar um país.

Um Caso Paradigmático: A Deputada Madalena Cordeiro
E não se pense que isto é um luxo reservado apenas aos que chegam a Primeiro-Ministro. Temos, por exemplo, o caso de Madalena Cordeiro, do partido Chega, que se tornou deputada aos 20 anos, diretamente vinda dos meios estudantis para as bancadas do Parlamento. E pergunte-se: o que sabe alguém com pouca ou nenhuma experiência de trabalho sobre as dificuldades de uma família que tenta sobreviver com um salário precário ou sobre o drama de um empresário a braços com a burocracia infernal? Talvez tenha escutado relatos, lido uns artigos ou feito debates na faculdade, mas daí até conhecer, de facto, a vida real… é um salto de fé. E, ainda assim, lá está ela, com poder de voto sobre leis que afetam milhões de portugueses.
Porque existem as Juventudes Partidárias?
Há duas respostas possíveis. A mais curta: “Porque convém a quem já está no poder.” A mais longa: “Porque são uma autêntica fábrica de carne para canhão.” Um partido político precisa de juventude para encher comícios, agitar bandeiras, colorir fotografias de campanha e fazer o trabalho pesado nos bastidores. E, claro, para garantir um fluxo constante de novos quadros, prontos a substituir as velhas guardas quando estas estiverem demasiado desgastadas ou, quem sabe, a braços com processos judiciais.
O jovem militante aprende, nesta academia sui generis, a obedecer às diretrizes do partido, a promover incondicionalmente o seu líder e a encostar-se às fações vencedoras. Quem for mais sagaz (ou mais submisso, dependendo do ponto de vista) consegue dar o salto para gabinetes ministeriais, assessorias e, num piscar de olhos, empoleira-se a lugares de destaque. O resto é a história que conhecemos: das juventudes para as câmaras municipais, das câmaras para o Parlamento, do Parlamento para o Governo. Num piscar de olhos, passamos de uma pasta vazia a uma pasta ministerial debaixo do braço.
O Verdadeiro Propósito: Criar Profissionais da Política
Um jovem normal, para construir carreira, esforça-se por apresentar um currículo recheado: estágios, cursos complementares, experiências reais no mercado de trabalho, onde muitas vezes tem de enfrentar chefes exigentes e horários estafantes. Já o prodígio partidário não precisa de nada disto. O seu grande requisito não é competência, mas sim lealdade ao partido e, sobretudo, aos padrinhos políticos certos.
O resultado? Gerações de governantes que desconhecem o que é assinar um contrato de trabalho fora do meio político, que nunca tiveram de se preocupar em conciliar orçamentos domésticos com impostos galopantes ou em lidar com a competição desleal de um mercado saturado. São, por excelência, profissionais da política: falam de tudo – da economia à saúde, da educação às obras públicas – sem nunca terem trabalhado nesses domínios.
O Que Ganhamos com Isto?
A resposta é amarga: pouco ou nada. Um país que se habitua a ser liderado por quem nunca viu o lado de fora dos gabinetes acaba por herdar as mesmas falhas estruturais, eleições após eleições. Lealdade ao aparelho e cultivo de influência partidária não se traduzem necessariamente em boa governação. Pelo contrário, fomentam o surgimento de núcleos fechados, nepotismo e sucessivas promoções baseadas em alianças subtis, mas eficazes.

A consequência está à vista: ministros que nunca geriram uma empresa, mas que assumem a pasta da Habitação; secretários de Estado que nunca pisaram um hospital público, mas que gerem a Saúde Pública; ou ainda titulares de pastas sociais que raramente experimentaram viver com o ordenado mínimo ou fazer ginástica financeira para chegar ao fim do mês. E quando as políticas falham, a culpa recai inevitavelmente no governo anterior, na oposição, nos ciclos económicos ou nos portugueses que, coitados, “não compreenderam” as iluminadas medidas.
Um Jovem que Mal Saiu da Faculdade Sabe o que Vivemos?
Tentar compreender a vida real de uma família portuguesa espartilhada pelos custos da eletricidade, pelos impostos e pelo emprego precário crónico requer vivência fora da bolha. Porém, muitos dos nossos jovens políticos saem diretos do meio universitário para a bancada parlamentar, acreditando que uns quantos discursos ou umas quantas tertúlias lhes deram o conhecimento necessário para legislar sobre tudo e mais alguma coisa.
Mas a experiência de ver o saldo a zeros no final do mês, a ansiedade de procurar emprego ou a frustração de lidar com a burocracia para abrir um negócio? Nada disso consta nos manuais partidários. Todavia, lá vão eles, no seu fato impecável, prontos a assegurar-nos de que têm soluções para todos os problemas do país.
Como Sair Deste Ciclo?
Seria ingénuo pensar numa solução simples para um problema tão enraizado. Poderíamos exigir que quem governa o país tivesse, pelo menos, alguns anos de experiência no setor privado, ou na função pública não partidária. Mas isso seria sonhar alto, num contexto em que os partidos funcionam como autênticas máquinas de autopromoção.
E assim, enquanto os nórdicos se orgulham de ter líderes com currículos profissionais sólidos, nós continuamos a engolir a ideia de que basta ter um cartão do partido, um discurso floreado e uma boa dose de contactos certos para comandar os destinos de uma nação inteira.
Resta-nos, portanto, observar este desfile de ex-líderes das juventudes partidárias, que nunca trabalharam fora do círculo político, e que mesmo assim se consideram aptos a gerir os destinos de milhões de cidadãos. E perguntar-nos por que razão continuamos a pactuar com isto. Talvez porque ainda não descobrimos forma de quebrar o feitiço. Ou talvez porque, secretamente, temos esperança de que algum dia, do seio de uma destas juventudes, surja alguém que realmente compreenda a vida real e a queira melhorar. Até lá, resta-nos assistir a este espetáculo recorrente. E, com um sorriso irónico, constatar que, em Portugal, é perfeitamente possível ser CEO de uma nação sem nunca ter sido estagiário no país real.