Cavaleiro medieval português com armadura completa tapa os olhos com horror enquanto espreita entre os dedos, no centro de Lisboa, cercado por vendedores de kebabs, sinais em bengali e muçulmanos a rezar.

Martim Moniz: Da Glória ao Kebab

Se o absurdo tivesse um altar nacional, Martim Moniz estaria lá, em posição de destaque, entre velas apagadas e flores de plástico. Não com a espada em punho, mas com a mão na testa, como quem sussurra: “Foi para isto que eu morri?” Porque o pobre mártir que se enfiou heroicamente entre os batentes da porta do castelo para impedir os mouros de a fechar, acordaria quase mil anos depois para descobrir que… os portões estão agora bem abertos. Literalmente. Com tapetes estendidos e altifalantes a transmitir o chamamento para a oração.

Multiculturalidade à Portuguesa

Sim, caro leitor. O nosso mártir da Reconquista, o homem que ofereceu o corpo pela Pátria e pela Cruz, tem hoje uma praça em Lisboa com o seu nome. Um rectângulo de cimento e desespero urbano, onde a multiculturalidade se reúne, não em diálogo civilizacional, mas num bazar improvisado entre kebabs, carteiristas e vendedores de capas de telemóvel com bandeiras do Paquistão.

A Praça Martim Moniz é talvez o mais sofisticado exercício de sarcasmo institucional alguma vez levado a cabo em solo português. Imaginem só: homenagear um homem que morreu a combater muçulmanos… com uma praça onde hoje se reúnem centenas de muçulmanos para rezar. Não num templo construído para o efeito, com respeito e dignidade, mas num chão frio de mármore, virado para Meca, com a mesquita mais próxima algures a quilómetros e a boa vontade da CML a garantir que ninguém os incomoda. Afinal, Lisboa é tolerante. Sobretudo com a ironia.

A “Requalificação” de 1997

Foi em 1997, sob a batuta do muito socialista João Soares (filho do outro, claro), que a praça foi “requalificada”. Uma forma elegante de dizer que demoliram barracas e fizeram um parque de estacionamento com umas árvores tristes por cima. A ideia, presume-se, era criar um espaço multicultural, uma espécie de metadona urbanística onde o centro histórico pudesse conviver com o novo Portugal. O problema é que esqueceram-se de perguntar ao Martim Moniz se ele concordava.

Os arquitetos da coisa chamaram-lhe “integração urbana”. Os lisboetas acabaram por lhe chamar “mais um sítio para evitar à noite”. Nas plantas do projecto, havia zonas verdes, circuitos pedonais e até uma promessa de “valorização da memória histórica”. No terreno, ficou um deserto de pedra, atravessado por pombos depenados, vendedores ambulantes persistentes e turistas confusos à procura de “autenticidade” entre uma roulotte de falafel e um sem-abrigo a cantar fado. Se aquilo é valorização da memória, então o esquecimento deve ser um plano municipal.

Grupo de políticos e técnicos municipais em torno de uma maquete da Praça Martim Moniz, com um arquiteto a apresentar entusiasticamente o projeto, enquanto João Soares e os restantes participantes escutam entre o deslumbramento e o alheamento.
O arquiteto explica a visão para a nova Praça Martim Moniz. Todos fingem perceber.

Kebabs, Esfaqueamentos e Manchetes do Correio da Manhã

O que estará a passar pela cabeça do nosso cavaleiro, lá no além, ao ver o seu nome estampado numa placa à entrada de um espaço onde se vendem t-shirts do Bangladeche e se celebram festas que terminam com três esfaqueamentos e uma notícia no Correio da Manhã? Estará a sorrir? Ou a suspirar? Talvez a amaldiçoar-nos a todos. Ou a pensar que teria sido melhor deixar os mouros fechar a porta, e ir para casa jantar.

Durante séculos, Martim Moniz foi um símbolo do sacrifício nacional, uma dessas figuras semi-míticas que nos enchem os livros da escola e as cerimónias do 10 de Junho. O homem que disse “não fecharão”, antes de ser esmagado como uma sardinha em conserva entre duas portas de carvalho. Um herói da fundação de Portugal, homenageado com… um mercado chinês, um restaurante bengali e um hostel decorado com grafitis do Bloco de Esquerda.

A Feira da Virtude Democrática

Há quem diga que isto é um sinal de progresso. Que é bonito ver o antigo símbolo da Reconquista transformado num espaço de convivência pacífica entre culturas. Outros, mais cépticos, dirão que é apenas mais uma prova do total alheamento da elite política nacional, sempre pronta a celebrar símbolos sem os compreender. Martim Moniz? Sim, claro. Era um tipo importante. Mete-se o nome na praça e está feito. Que se lixe o contexto. O que interessa é que haja lugar para food trucks e rodas de capoeira patrocinadas pela EGEAC.

E assim se faz história em Portugal. Com nomes que se mantêm, significados que se evaporam e políticos que inauguram tudo com um sorriso fotogénico. O herói da fundação da pátria? Serve agora de cenário a TikToks gravados ao som de música bengali, com pombos em primeiro plano e orações murmuradas entre sacos de plástico do Pingo Doce.

A Porta Ficou Mesmo Aberta

A praça não tem igreja, nem estátua, nem sequer uma placa a explicar quem foi Martim Moniz. O nome está lá, claro, mas flutua no ar como uma referência perdida num país com amnésia histórica, para os poucos que ainda sabem que o senhor não era dono de um quiosque nem de um stand de carros usados. O cavaleiro do século XII está agora rodeado por empreendedores do século XXI que gerem minimercados onde tudo é halal, menos as práticas fiscais.

É aqui que Portugal se distingue: somos o único país do mundo onde se homenageia um anti-mouros com uma praça que parece saída de Maraquexe. Onde o símbolo da resistência é agora palco de comércio ambulante e reza improvisada. Onde se pega no passado, enrola-se como crepe chinês mal frito, e serve-se com molho agridoce num food court decrépito.

No fim, o que sobra é o desconforto. Não por causa das orações em si, essas, em tempo e lugar apropriados, merecem respeito. Mas por causa da forma como se empacotam símbolos históricos, se lavam em sabão multicultural e se vendem ao desbarato na feira da virtude democrática. Martim Moniz morreu por uma pátria cristã e independente. Hoje, a sua memória repousa entre kebabs, sacos de plástico voadores e lojas de telemóveis.

Dir-se-ia que a porta que ele tentou abrir… ficou escancarada.

E nós, portugueses, continuamos a entrar e a sair por ela, sem saber se vamos à missa, à mesquita ou simplesmente à feira. Mas sempre de cabeça baixa. Não por respeito, mas por vergonha.

João Brandão
João Brandão
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