Um dos Países Mais Seguros do Mundo (Dizem Eles)

Portugal, essa nação de brandos costumes onde, curiosamente, as pessoas já evitam andar sozinhas à noite, já não usam telemóveis no comboio sem olhar por cima do ombro e até já consideram normal ver gangs juvenis a fazer justiça pelas próprias mãos em plena luz do dia. Mas atenção, não se deixem enganar pelos vossos sentidos ou, pior ainda, pela vossa própria experiência! O país continua seguro. Isto não sou eu que digo, são os nossos políticos, jornalistas e comentadores de serviço – a tríade Celestial do Conhecimento Universal e da Verdade Suprema.

Essa gente iluminada, que nunca andou de autocarro depois das nove da noite, nem talvez durante o dia, jura a pés juntos que tudo isto é um problema de perceção. A criminalidade não aumentou, o que aumentou foi a nossa imaginação. Somos nós, pobres mortais, que não conseguimos compreender a realidade como eles, esses semideuses protegidos por muros altos e segurança privada.

A Segurança de Quem Vive Atrás de Muros e Portões Automáticos

Se há um sítio onde Portugal é um país seguro, esse sítio chama-se condomínio privado. Aqui, a única violência registada acontece nas reuniões de condomínio, quando dois vizinhos se exaltam a discutir se a tonalidade do novo pavimento em volta da piscina combina ou não com a estética minimalista das espreguiçadeiras italianas. Os residentes dormem tranquilos, protegidos por portões automáticos, câmaras de vigilância e seguranças que garantem que o único perigo real é um padeiro atrasado com o pão quente da manhã.

A realidade fora dessas muralhas? Uma nota de rodapé insignificante. Perguntar a um habitante de um condomínio privado se há insegurança em Portugal é o mesmo que perguntar a uma tainha se a água está poluída. Eles vivem numa bolha de conforto e privilégio onde o crime não passa daquilo que se vê em séries da Netflix – histórias distantes, emocionantes de ver no ecrã, mas sem qualquer impacto real na sua vida.

Aliás, se perguntarmos a estes mesmos residentes se há pobreza em Portugal, a resposta será um encolher de ombros seguido de um gole de vinho tinto de 100 euros a garrafa. Pobreza? Mas qual pobreza? Se há gente a ganhar o salário mínimo, só pode ser por falta de ambição. Se há pessoas a depender dos bancos alimentares, deve ser tudo um esquema engenhoso para obter comida grátis. E se há idosos a escolher entre pagar a eletricidade ou comer, bem… sempre podem jantar à luz das velas, que é mais romântico e sustentável.

E é esta elite, de peito cheio e sem um pingo de vergonha, que nos garante que Portugal não tem um problema de insegurança. Afinal, se eles vivem seguros, então o resto do país só pode estar a exagerar. A realidade do cidadão comum? Um detalhe irrelevante. Porque, no fim de contas, o que importa é a experiência dos eleitos – e essa, meus amigos, nunca foi tão confortável.

A Tríade do Embuste: Políticos, Jornalistas e Comentadores

A segurança em Portugal não é definida por quem anda na rua, mas sim pela tríade que controla a narrativa nacional. O santo triunvirato composto por políticos, jornalistas e comentadores de serviço decide o que é verdade, e nós, humildes peões, só temos de acenar com a cabeça e agradecer pela sabedoria partilhada.

  • Os políticos, esses heróis que raramente põem os pés fora dos gabinetes, têm sempre estatísticas bonitas para nos mostrar. “Os dados indicam que a criminalidade diminuiu”, dizem com um ar sério, enquanto ignoram por completo o facto de que os crimes de rua raramente são denunciados porque a polícia não pode fazer nada. Para eles, a insegurança é um problema inventado por quem tem o infeliz desejo de querer viver sem medo de andar na rua.
  • Os jornalistas, esses verdadeiros guardiões da “verdade oficial”, limitam-se a reproduzir os comunicados do governo sem um pingo de pensamento crítico. Se um político disser que Portugal é seguro, não há necessidade de questionar, investigar ou sequer sair à rua para confirmar. O telejornal abre com um segmento sobre o crescimento económico (que ninguém sente no bolso), seguido de uma peça encorajadora sobre a redução do desemprego (ilustrada com imagens de estagiários não remunerados e trabalhadores precários a sorrir para a câmara) e finalizando com um pequeno trecho sobre o aumento da confiança na segurança pública (que ninguém acredita). E assim se constrói um país fictício.
  • Os comentadores de serviço, essas criaturas que brotam nos canais de notícias como cogumelos, são os responsáveis por explicar à população que estamos todos errados. São eles que aparecem no ecrã, com vozes pomposas e maquiagem de televisão, para dizer que a insegurança em Portugal é um mito, uma invenção da classe média frustrada. O crime, dizem, sempre existiu – agora é só mais visível porque há redes sociais. “Isto é um exagero”, afirmam enquanto estacionam os seus automóveis nas garagens dos condomínios privados.

“É Só Perceção” – O Mantra dos Especialistas de Sofá

A perceção de segurança em Portugal é um paraíso, por isso é que os brasileiros querem vir para cá

Miguel Sousa Tavares

E eis que entra em cena o vosso estimado Miguel Sousa Tavares, essa mente brilhante que decidiu que Portugal é seguro porque “os brasileiros vêm para cá”. Que argumento sólido! Segundo essa lógica, se um dia os venezuelanos começarem a emigrar para a Síria, isso significa que Damasco se tornou uma cidade com futuro viável.

A Criminalidade Importada

Mas se Portugal é assim tão seguro, porque é que os criminosos brasileiros do PCC (Primeiro Comando da Capital) decidiram instalar-se cá? Será que vieram pela gastronomia? Pelos pastéis de Belém? Ou terão sido seduzidos pelo fado e pelo nosso vinho? Quem sabe, talvez o líder do PCC tenha um fraco por bacalhau à Brás e uma inexplicável vontade de ver um pôr-do-sol em Alfama.

Ou então – e esta hipótese parece um pouco mais realista – perceberam que Portugal é o destino perfeito para criminosos que não querem grandes chatices. O país oferece um sistema judicial burocrático, uma polícia subfinanciada e uma classe política que se recusa a admitir que a insegurança existe. Como cereja no topo do bolo, temos um sistema prisional que faz questão de tratar os reclusos com uma gentileza quase maternal, garantindo-lhes todas as condições para que possam planear as suas próximas fugas no devido conforto das suas celas.

Afinal, Portugal é um país de brandos costumes. Aqui, não há tiros em plena avenida nem cartéis a declarar guerra aberta ao Estado – pelo menos, ainda não. Mas isso não significa que os grupos criminosos não tenham identificado o potencial de um território onde as forças de segurança estão sistematicamente enfraquecidas e onde a justiça continua a dar segundas, terceiras e quartas oportunidades a indivíduos que, noutros países, jamais voltariam a circular livremente pelas ruas.

Um Refúgio de Luxo para Criminosos de Elite

Há alguns anos, o nome PCC era apenas uma referência distante, algo que se via nas notícias sobre o Brasil, nas cenas de filmes violentos ou em documentários sobre favelas controladas a ferro e fogo. Mas agora, os seus membros já circulam por cá, expandindo os seus negócios e explorando novas oportunidades. E o mais fascinante é que quase ninguém parece incomodado.

O governo? Tranquilo. Afinal, reconhecer que o crime organizado se está a instalar em Portugal seria admitir que a política de portas escancaradas pode não ter sido a melhor ideia. Os jornalistas? Calados, não vá alguém acusá-los de sensacionalismo ou xenofobia. E os comentadores de serviço? Esses continuam a dizer que tudo isto são casos pontuais e que não devemos criar alarmismo.

E assim, Portugal torna-se o resort all-inclusive da criminalidade internacional. Um local de férias perfeito para quem quer fugir da perseguição das autoridades nos seus países de origem. Aqui, os criminosos podem montar operações sem chamar demasiado a atenção, fazer lavagem de dinheiro sem grandes entraves e, quando muito, passar uns tempos na prisão a gozar de boa alimentação, consultas médicas grátis e visitas sem restrições.

Os “Casos Isolados” Que se Vão Multiplicando

Ah, mas não há motivo para alarme! Dizem-nos que Portugal continua seguro. E se um dia começarmos a ver sequestros em plena luz do dia, não se preocupem, será apenas um fenómeno isolado, um caso raro, algo que não reflete a realidade do país.

O primeiro sequestro? Um incidente pontual.
O segundo? Uma infeliz coincidência.
O terceiro? Um acontecimento isolado sem relação com a realidade nacional.

E assim sucessivamente, até que um dia acordamos e percebemos que já não podemos sair à rua sem olhar por cima do ombro. Mas nessa altura, claro, será tarde demais. E aqueles que hoje negam a realidade serão os primeiros a exigir medidas drásticas quando a violência lhes bater à porta.

Portugal pode até ser um país seguro – por enquanto. Mas a continuar assim, poderemos descobrir, da pior maneira, que a segurança é um bem que se perde muito mais depressa do que se recupera.

O Crime Que Já Não Se Esconde

Enquanto a tríade da propaganda nos tranquiliza, a realidade torna-se cada vez mais difícil de ignorar.

O crime organizado já não se contenta em operar nas sombras. Agora, assume-se sem pudor. Assaltos à mão armada em plena luz do dia, lojas saqueadas por gangs juvenis, agressões gratuitas filmadas e partilhadas nas redes sociais como troféus.

As escolas transformaram-se em campos de batalha. Alunos entram armados com facas e navalhas, professores são ameaçados, e a autoridade da escola desapareceu. Mas calma, dizem-nos que “não podemos estigmatizar os jovens”. Se um adolescente espanca outro colega, devemos compreender que ele pode estar a passar por dificuldades emocionais.

Nos transportes públicos, a experiência é digna de um jogo de sobrevivência. Quem anda de comboio à noite já aprendeu a regra de ouro: evitar contacto visual. Cruzar olhares com a pessoa errada pode ser interpretado como um convite para uma tareia gratuita ou uma navalhada no peito. Mas, claro, são casos pontuais. Tudo casos pontuais.

A Segurança: O Próximo Negócio a Privatizar?

Primeiro, deixámos as estradas do país cair em desgraça – buracos, falta de manutenção, perigos constantes, um verdadeiro pesadelo para quem ousava conduzir pelos caminhos de Portugal… Durante anos, foram-se acumulando remendos mal feitos e desculpas esfarrapadas, até que, surpresa!, surgiu a solução inevitável: convidar os privados a ‘investir’ na construção de estradas para depois cobrar portagens indefinidamente. Hoje, é praticamente impossível ir de A a B sem atravessar um pórtico, uma barreira invisível que transforma cada viagem numa doação forçada aos bolsos dos privados que exploram o sistema.

Depois, veio a Saúde. O desmantelamento meticuloso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) começou devagar, com cortes aqui e ali, falta de investimento, exaustão dos profissionais e listas de espera tão longas que, quando finalmente chega a vez do doente, ou já se curou sozinho, ou descobriu que o médico que ia atendê-lo já se reformou. O objetivo? Criar o caos suficiente para que a população, cansada de esperar meses por uma consulta ou cirurgia, aceite de braços abertos a alternativa óbvia: a saúde privada. E não falhou – hoje, quem pode, foge para os hospitais privados, enquanto o SNS agoniza aos poucos, servindo apenas aqueles que não têm outra opção.

E agora, com a segurança, o padrão repete-se.

Afinal, como é que se convence um povo inteiro de que precisa de pagar pela sua própria proteção? Criando medo. Deixando que o crime vá crescendo, que a polícia se torne cada vez mais ineficaz, que as ruas se tornem um espaço de incerteza. Até que, um dia, o cidadão comum, já sem confiar no Estado para o proteger, comece a considerar contratar segurança privada para si próprio.

Vejamos os sinais: já não são apenas os bancos e as grandes empresas a recorrer à segurança privada. Agora, vemos vigilantes nas escolas, hospitais, centros de saúde, estádios de futebol, edifícios públicos. O setor privado toma conta daquilo que, em teoria, deveria ser garantido pelo Estado. O recado é claro: se quiseres segurança, vais ter de pagar por ela.

E como se isso não bastasse, já começamos a ver o próximo passo do plano a desenrolar-se diante dos nossos olhos. Os anúncios de segurança privada para o cidadão comum multiplicam-se na televisão, nas redes sociais, nos outdoors das cidades. “Proteja a sua casa durante 24 horas.” “Instale já o seu alarme anti-intrusão, ligado diretamente à nossa central.” “A sua família em segurança, com resposta imediata.”

Será coincidência? Ou estaremos a assistir ao mesmo padrão de sempre? Primeiro, deixa-se o sistema público deteriorar-se. Depois, criam-se condições para que o cidadão sinta medo, desprotegido, vulnerável. E, finalmente, aparece a solução… paga, claro. Exatamente como aconteceu com as estradas e está a acontecer com a Saúde, estamos agora a presenciar o inicio do processo de privatização da segurança.

Se vivêssemos num país assim tão seguro, porque razão estas empresas de segurança privada estariam a gastar fortunas em publicidade direcionada ao cidadão comum? Curioso, não é? Pelos vistos, num dos “países mais seguros do mundo”, já se justifica investir em publicidade para convencer as pessoas de que precisam de alarmes, vigilância 24h e resposta imediata.

Curioso, não é? Se isto fosse um verdadeiro paraíso da segurança, essas empresas não teriam clientes suficientes para justificar anúncios televisivos em horário nobre. Mas, como sempre, os donos disto tudo já perceberam para onde os ventos sopram.

Quanto tempo falta até vermos serviços de segurança privada a oferecer pacotes individuais? “Plano Essencial”: uma patrulha ocasional na tua rua. “Plano Premium”: um segurança na porta do teu prédio. “Plano Platina”: escolta privada para quando fores levar o teu filho à escola.” Ridículo? Pois, mas há 20 anos atrás também ninguém imaginava que teríamos de fazer seguros de saúde para garantir uma consulta a tempo e horas.

O esquema é sempre o mesmo. Primeiro, deixam o sistema público degradar-se. Depois, dizem que “não há alternativa”. No fim, vendem-nos a solução que eles próprios criaram: pagar do nosso bolso o que nos deveria ser garantido. Se as auto-estradas já foram, o SNS vai pelo mesmo caminho, e se a segurança é a seguir, qual será o próximo? Uma taxa para ver televisão? Bem, na verdade, já temos a taxa audiovisual, que pagamos religiosamente na conta da luz, quer tenhamos televisão ou não. Basta termos eletricidade contratada e lá está ela, firme e hirta como um imposto invisível. Ahhh, isso já existe.

A elite que manda nisto tudo já decidiu: a segurança será o próximo negócio milionário. A única dúvida é até quando vamos fingir que não estamos a ver.

Quando os Privilegiados se Tornarem Vítimas

Até agora, os privilegiados podem continuar a ignorar a realidade. Mas a bolha em que vivem não é inquebrável. O crime, como qualquer vírus, adapta-se e espalha-se. Um dia, e talvez mais cedo do que imaginam, a insegurança deixará de ser um problema de “perceção” e tornar-se-á um problema real.

O dia em que um ministro for assaltado na sua própria casa, veremos um debate acalorado na Assembleia da República sobre segurança pública. O dia em que um jornalista for ameaçado por um gangue juvenil, veremos manchetes a falar de “ondas de violência inexplicáveis”. E o dia em que um comentador de serviço vir o seu carro desaparecido do estacionamento, apenas para descobrir que foi “emprestado” por um grupo organizado, será o momento em que finalmente admitirão que, talvez – só talvez –, Portugal tenha um problema de criminalidade.

E nesse dia, a mesma elite que hoje desvaloriza os alertas gritará, desesperada:

“Ó Da Guarda! Ó Da Guarda!”

Mas então, talvez seja tarde demais. Porque enquanto eles fingem que o problema não existe, o cidadão comum já aprendeu a única regra que realmente importa: a sobrevivência depende de não acreditar em nada do que eles dizem.

Que Deus nos proteja. Porque o Estado, claramente, não está interessado em fazê-lo.

Gualdim Pais
Gualdim Pais
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