Foi num 12 de Junho de 1985 que Portugal selou o seu pacto com a prosperidade europeia no Mosteiro dos Jerónimos — templo da História, da pedra lavrada e, nesse dia, também da promessa de que o país deixaria de tropeçar em valas para passar a escorregar em alcatrão novo. Assinava-se ali a entrada na então Comunidade Económica Europeia com a solenidade cerimonial de um casamento real… ainda que o noivo, Portugal, chegasse atrasado, descabelado, com a gravata torta, a conta bancária no vermelho e um passado colonial ainda a cheirar a naftalina.
À frente das câmaras, um país ajoelhado diante da Europa, em modo “sim, aceito” — aceito fundos, aceito regras, aceito a humilhação subtil da reforma da frota pesqueira e o fecho de estaleiros. Mas também aceito autoestradas com viadutos, rotundas em série e estádios municipais em concelhos onde a população cabia inteira numa carrinha de nove lugares.
Quarenta anos depois, com algumas rugas novas e os joelhos ainda doridos de tanto ajoelhar à Europa, voltámos ao mesmo altar. O mesmo Mosteiro. A mesma caneta (sim, a mesmíssima: Bic, azul, resistente ao tempo e às mudanças de governo). Mudou-se a tinta, não o tom.
Marcelo Rebelo de Sousa discursou com a verve de sempre, espalhando “todologia” como se fosse confettis num casamento em repetição. Disse que devíamos ser “todos, todos, todos europeus”. Com o entusiasmo de quem já foi tudo um pouco — das selfies no Vaticano às maratonas nos incêndios. Segundo Marcelo, somos europeus, mas se for preciso também somos alpinos de ocasião, mediterrânicos de catálogo e, nos momentos mais confusos, até belgas honorários. Portugal, afinal, cabe em qualquer rótulo desde que traga selo europeu e possibilidade de subsídio.
Luís Montenegro, o primeiro-ministro do momento (pode não durar tanto quanto a tinta da tal caneta), assinou um papel com ar compenetrado. Era o “Plano de Ação para a Próxima Vaga de Esperança”, ou coisa parecida — que ninguém decora nomes com tantas sílabas, mas todos percebem que é mais uma declaração solene para que conste em ata e não em prática.
Já António Costa apareceu em modo VIP, quase a flutuar na gravidade zero de Bruxelas, como quem já fala em “comité”, “resiliência” e “coordenação multilateral” sem pestanejar. Tinha aquele ar de quem já não compra bilhete de metro nem lê notícias do país, mas que ainda sorri quando ouve falar em Jerónimos, desde que seja para eventos com fotógrafos.
E ali estavam eles, lado a lado, entre colunas manuelinas e câmaras de TV, a garantir que Portugal continua — e continuará — a ser o bicho de estimação mais bem-comportado da Europa. Sentado, quieto, com o olhar submisso e o pelo bem escovado. Um país que abana o rabo quando chega uma carta de Bruxelas, e que só rosna baixinho quando lhe mexem na gamela dos fundos.
Portugal: O Queque Marretinha da Turma Europeia
Desde o início, entrámos na União Europeia com a mesma energia de um caloiro de Direito em Coimbra: entusiasmado, obediente e disposto a carregar os códigos de toda a turma se isso nos garantisse um elogio do professor. Fizemos questão de ser os marrões da sala, os que dizem sempre “presente!” nas reuniões, mesmo quando ninguém nos chama.
Portugal é aquele aluno que chega à aula 10 minutos antes, traz um estojo com divisórias para cada cor de caneta e, não satisfeito com fazer os trabalhos de casa, ainda os plastifica e entrega com dedicatória. Orgulhamo-nos de ser os primeiros a implementar as directivas europeias, mesmo aquelas que ninguém percebe bem — como a norma para o calibre dos pepinos ou a abolição das colheres de pau.
Enquanto a Hungria refila, a Polónia faz birra com ar de quem vai bater com a porta e a França ameaça sair se não lhe aumentarem os subsídios agrícolas ou não lhe servirem mais manteiga na baguete, Portugal levanta o dedo com aquele ar de marrão irritante: “Ó professora Europa, já fiz tudo direitinho — quer que escreva mais cem vezes no quadro que sou o melhor aluno?”
E se a Ursula von der Leyen visita Lisboa, os nossos ministros alinham-se em fila como escuteiros na revista das promessas. Chamam-lhe “Dona Ursula” com a mesma reverência que um seminarista devoto reserva ao Papa, e mostram-lhe PowerPoints com gráficos coloridos a explicar como aplicaram, com rigor suíço, as verbas dos fundos — ainda que, no fim, a verba tenha ido parar à rotunda de uma vila onde passam quatro carros por semana.
Sim, somos o bom aluno. Sim, temos orgulho nisso. Porque, para os nossos políticos, não há maior glória do que serem elogiados em alemão técnico por um comissário europeu de gravata azul celeste. Sentem-se úteis, modernos, europeus. Mesmo que, para isso, tenham de aceitar sem piar cortes orçamentais, metas de défice espartanas e promessas de “resiliência” embrulhadas em planos com nomes em inglês.
Portugal, esse país-marretinha da UE, já não sonha ser grande. Sonha apenas ser bem-comportado. E se alguém ousa questionar esta postura submissa, há sempre um especialista pronto a lembrar: “Melhor isto do que sermos como a Grécia…”
Espelho Meu, Espelho Meu: Quem é o Menos Último no Ranking Europeu?
Portugal adora ver-se ao espelho das estatísticas europeias. É o nosso Photoshop nacional: enquanto tudo à volta descamba, lá está o governante de serviço, a agitar um gráfico em PowerPoint para mostrar que “não estamos assim tão mal”. Se for preciso, encolhe-se o eixo vertical para parecer que o PIB dispara como foguete — quando na verdade só salta do degrau de baixo para o degrau do meio… antes de levar um encontrão dos países de Leste.
E por falar em Leste: alguém se lembra de quando Portugal era apontado como “história de sucesso” da coesão europeia? Pois. Hoje, já estamos a ser ultrapassados (ou prestes) por vários dos dez países que entraram na UE em 2004 — Polónia, República Checa, Estónia, Lituânia… todos a dar-nos uma lição de como sair do comunismo para o capitalismo turbo, enquanto nós cá continuamos entretidos a discutir se o Messi é melhor que o Ronaldo — e a vida real vai passando à nossa frente, a marcar golos de baliza aberta.
Mas calma: ainda temos uma carta na manga! O truque é o alargamento. Sim, a expansão milagrosa da UE é o nosso maior amortecedor de vergonha estatística. Vêm aí mais países candidatos: Albânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia, Moldávia, Ucrânia… economias tão espremidas que garantem a Portugal a ilusão de “não ser o último da fila”. É o nosso noticiário nacional em versão Eurostat: nada aquece mais a alma lusitana do que ver alguém em pior estado — como quem se consola ao ver uma reportagem sobre uma família a viver debaixo da ponte.
De repente, o português estica-se no sofá, dá mais uma dentada no pastel de nata e pensa: “Pronto, afinal há sempre quem esteja pior. Somos pobres, lentos e mal governados — mas não somos os últimos. Ainda.”
Assim se faz o milagre do progresso: não é com reformas estruturais, economia dinâmica ou educação de excelência. É com um truque de ilusão de ótica em formato Eurostat. Enquanto houver países mais pobres prontos a entrar, Portugal respira de alívio: não estamos em último — ainda.
E se um dia todos nos ultrapassarem? Nada temas. Inventa-se outra tabela. Afinal, ninguém compara melhor o incomparável do que os nossos políticos. Um relatório, uma infografia colorida, umas setas a apontar para cima e está feito. Portugal no top — da ilusão.
Mas afinal… o que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?!
Dirão alguns, com o punho no ar e o neurónio ainda a espreguiçar-se: “Mas afinal… o que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?!”
E é uma pergunta justa. Justíssima. Daquelas que mereciam estar esculpidas numa rotunda de província, mesmo ao lado da estátua do emigrante com a mala na mão.
Porque vejamos: tirando as estradas que agora ligam aldeias onde só restam cabras com acesso a fibra ótica e um café que fecha às cinco “porque o dono vai jogar à sueca”, que mais recebemos? Centros de saúde novinhos em folha… que fecham ao fim de semana com uma dignidade escandinava. Escolas com quadros digitais — sem giz, sem pó, sem miúdos, mas com muito touchscreen e PowerPoint sobre “empatia ambiental”. Água potável na torneira, em dias pares e com sorte. E praias com bandeira azul que escondem esgotos a céu aberto com a perícia de quem enfia défices da TAP debaixo do banco do avião.
Claro, não esqueçamos os subsídios. Ah, os gloriosos subsídios! Para plantar videiras. Para arrancar as videiras. Para voltar a plantar as videiras. Um vaivém agrícola que faz inveja ao metro de Lisboa — e com menos greves, diga-se.
E que dizer dos programas europeus com nomes em inglês que servem para digitalizar bibliotecas onde ninguém entra? Ou dos relatórios de Bruxelas que nos explicam, com muitas páginas e infografias a cores, porque é que não podemos gastar aquilo que não temos — como se precisássemos que nos lembrassem disso enquanto fazemos malabarismos para pagar contas da luz e da farmácia.
E a cereja no topo do bolo? A liberdade de circulação, claro! A possibilidade nobre de emigrar legalmente para países onde há dentistas no SNS e salários com mais de três dígitos. Foi assim que nasceu o nosso verdadeiro Plano Nacional de Desenvolvimento: as remessas dos que fugiram para lavar pratos em restaurantes com estrelas Michelin. Um milagre económico a cheirar a bacalhau e saudade.
Mas sim, tirando tudo isto, realmente… a pergunta mantém-se com toda a pertinência: o que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?
Alcatrão, Progresso e Portagens
Quando chegaram os primeiros fundos europeus, Portugal fez aquilo que qualquer país prudente, previdente e apaixonado por betão faria com tanto dinheiro fresco nas mãos: alcatroou-se inteiro. Literalmente. Fomos de país agrícola a tapete rolante em tempo recorde. Num piscar de olhos, deixámos de lavrar terras e passámos a lavrar alcatrão. Era ver tratores a dar lugar a retrosescavadoras e estradas a nascer em cada encosta como cogumelos em dia húmido.
Construímos tanto, tão depressa, e com tanto entusiasmo, que durante uns anos havia mais quilómetros de estrada nova do que gente com carta de condução para os percorrer. Ligámos aldeias com quatro habitantes a centros urbanos com cinco, por meio de SCUTs, IPs, ICs e autoestradas com nomes pomposos e promessas eternas de desenvolvimento local (onde desenvolvimento local, lido à lupa, queria dizer uma rotunda, uma estação de serviço e um pavilhão multiúsos com cheiro a humidade e a desilusão).
Mas depois veio o momento “ups”. A epifania de que alguém, eventualmente, teria de pagar o festim. E foi então que se iluminou a cabecinha brilhante de um qualquer consultor com mestrado em austeridade aplicada: inventaram o “princípio do utilizador-pagador”. Uma ideia tão justa quanto falaciosa. Explicavam os nossos governantes, com o ar sério de quem acabou de ler uma bula europeia: “Não é justo uma velhinha de Paredes de Coura pagar por uma autoestrada em Lisboa!”
Pois claro. A mesma velhinha que, no entanto, foi solidária quando chegou a hora de pagar o buraco do BES. Ou as rendas milionárias das PPP rodoviárias. Ou as traquinices bancárias de senhores engravatados que nunca pisaram uma berma, quanto mais uma berma com alcatrão europeu.
E assim se instalou a era das portagens. Primeiro discretas, depois escancaradas. Multiplicaram-se pórticos como totens modernos da divindade rodoviária. E, como se não bastasse, veio ainda o conceito de “concessionária privada” — essa entidade quase divina que cobra, lucra, e raramente repara buracos, porque buracos, afinal, são memória viva do investimento europeu.
Em suma, fizemos autoestradas. Fizemos progresso. Fizemos contas. E, como quase sempre, quem pagou foi o do costume.
Cursos da CEE: Formação Intensiva em Desemprego Qualificado… com Saída de Emergência para o Estrangeiro
Durante anos — décadas, até — o veredicto foi quase unânime entre políticos, jornalistas e especialistas de bancada: Portugal estava atrasado porque o povo era pouco formado. Não sabíamos usar o Excel, não sabíamos falar inglês técnico, não sabíamos distinguir um capacete de obra de um plano estratégico. A culpa era da ignorância endémica. E a solução? Cursos. Muitos cursos. Toneladas de cursos.
Chegaram então os fundos da CEE e, com eles, a grande revolução do saber em formato A4 plastificado. Havia cursos de tudo: desde Higiene e Segurança no Trabalho em Estufas de Mirtilos até Inglês Técnico para Operadores de Linha de Montagem. Os formandos saíam dali com um diploma, um saco de papel com panfleto da União Europeia e a esperança — ténue — de que talvez houvesse emprego no fim da linha.
Spoiler: não havia. O que havia era muita emigração. E nesse campo, os cursos foram um sucesso: muitos jovens aproveitaram o inglês intensivo e o módulo de “procurar emprego no estrangeiro” para zarpar rumo a pastagens mais verdes. A formação serviu — ironicamente — para alimentar o mercado de trabalho dos outros. Fomos o programa Erasmus ao contrário: em vez de virem estudar cá, mandámos trabalhadores para lá, já prontinhos a servir.
Mas enquanto exportávamos cérebros, começámos a importar braços. A narrativa mudou. Agora já não era preciso tanto engenheiro, tanto técnico, tanta Excelência Académica. Agora o que era preciso era gente que aceitasse fazer trabalhos duros, mal pagos e invisíveis. Começámos a acolher — sem critério e com aplausos — mão-de-obra desqualificada para as tarefas que “os portugueses já não querem”.
Assim nasceu a Nova Frota Nacional: condutores de TVDE, entregadores de pizzas, guias turísticos de tuk-tuk e, claro, verdadeiros campeões na colheita de framboesa à mão.
Portugal tornou-se, ao mesmo tempo, estaleiro europeu de talento qualificado para exportação e estufa de empregos precários para importação. Um milagre económico com duas pistas: uma de saída com diploma na mão, outra de entrada com contrato temporário.
E, no meio disto tudo, os políticos — os mesmos que um dia disseram que o país só avançaria com formação — agora defendem a imigração massiva como motor económico. “É preciso dinamizar”, dizem. Pois é. Dinamizar a framboesa, a pizza e os tuk-tuk.
Mas sim, formámos. Muito. Só não avisámos que o destino final era o Terminal 2 do aeroporto.
Foram-se os Barcos, Ficou o Mar
Outro momento glorioso da integração europeia foi aquele episódio digno de tragédia escrita por burocratas: a destruição voluntária da nossa frota pesqueira em nome da sustentabilidade. Milhares de barcos foram abatidos com uma alegria subvencionada — ardiam nos estaleiros enquanto os discursos celebravam a transição para o “futuro azul”, que, na prática, queria apenas dizer: “pescadores, procurem outro ofício — talvez operadores de call center ou guia de tuk-tuk no Bairro Alto.”
E nós, obedientes, queimámos primeiro e perguntámos depois.

Hoje, o peixe vem em pacotes com instruções em alemão, refrigerado desde os fiordes ou enlatado nas Filipinas. O país com mais mar da Europa virou cliente fiel do peixe alheio, como se fosse pecado molhar as redes em águas lusas. Afinal, não convém ofender os planos de aquacultura dos nossos parceiros do Norte, que tratam o mar como um Excel cheio de lucros, e não como um pedaço de identidade.
Mas não há problema, porque agora os nossos pensadores visionários (os mesmos que assinaram alegremente os cortes de frota), surgem em conferências patrocinadas por agências de inovação com frases de bolso como:
“Portugal tem de olhar para o mar”.
Uma epifania! Um relâmpago intelectual!
Como se o mar tivesse aparecido ontem, entre a Caparica e o Bugio, por obra do PRR.
Ninguém pergunta onde estavam estes génios quando vendemos as quotas de pesca como quem vende prataria antiga para pagar contas da luz. Agora falam em economia azul, energia das ondas, biotecnologia marinha… como se um discurso em power point ressuscitasse barcos ou pescadores.
Temos mar, sim senhor. Só falta uma coisa: coragem política para fazer dele algo mais do que fundo de postal turístico.
Mas não há pressa. Afinal, só passaram 40 anos.
Do Escudo ao Euro: A Conversão Mágica que Dobrava os Preços, Não os Salários
A entrada no Euro foi apresentada como o rito final de maturidade europeia. Portugal, finalmente “crescido”, largava a moeda antiga — esse escudo manhoso, com cara de feira e cheiro a carteira de velhinha — e passava a falar a língua dos adultos: o Euro. Foi bonito. Foi simbólico. E foi, acima de tudo, um exercício de ilusionismo económico digno de Las Vegas.
A promessa era estabilidade, crescimento, integração plena na Europa. A realidade? O pão de Deus que custava 80 escudos passou a custar 80 cêntimos. Ou seja, mais de 160 escudos — mas dito em europeu, soava sofisticado. A inflação mascarada de modernidade fez o seu espetáculo. E nós, felizes, aplaudimos de carteira vazia.
Claro que os salários não fizeram a mesma conversão mágica. Continuámos a ganhar pouco — só que agora, em euros. E assim, com a mesma nota de 5€, podíamos comprar um café, meio croissant e a saudade do que os preços eram antes da moeda única.
As gerações mais velhas passaram anos a fazer contas de cabeça: “Espera, 2 euros? Isso são 400 paus, mulher!” — enquanto os jovens escutavam como quem ouve latim. O escudo tornou-se uma espécie de idioma secreto intergeracional, útil apenas para calcular se estávamos a ser enganados.
Hoje, quem nasceu depois de 2002 não faz ideia do que foi o escudo. Acham que 25 euros de mesada é pouco, mas ignoram que antigamente esses mesmos 25 euros — lidos como 5 contos — davam para cinema, lanche, transporte e ainda sobrava para comprar um CD na Valentim de Carvalho.
O Euro deu-nos entrada na grande sala da moeda única, mas deixaram-nos a comer à parte, na mesa das crianças. Participámos no banquete, mas trazíamos a marmita de casa. E ainda hoje, entre dois powerpoints de Bruxelas e uma reunião sobre regras orçamentais, há um silêncio que nos assalta: será que com o escudo éramos pobres, mas mais felizes?
Submissão com Perspetivas de Carreira (em Bruxelas
Mas vamos ao que interessa: por que razão Portugal nunca levanta a voz na Europa? Porque os nossos políticos não querem aborrecer os futuros patrões. Aqui, a subserviência não é um defeito — é um estágio curricular para voos mais altos.
Veja-se Durão Barroso: de Primeiro-Ministro de Portugal a Grande Condutor da Comissão Europeia, sempre com o ar de quem passa entre os pingos da chuva sem se molhar. Mas se Durão foi aluno aplicado, António Costa foi o verdadeiro menino de ouro do curso de Obediência Avançada em Directivas Comunitárias.
Durante os seus anos em São Bento, Costa encenou — com pompa e circunstância — a maior política de portas abertas à imigração descontrolada que Portugal alguma vez viu. Um autêntico case study de como transformar um país periférico num albergue improvisado, aplaudido de pé pelos comissários europeus que precisavam desesperadamente de mão-de-obra barata, dócil e sem voz.
Sim, o que Costa fez excedeu as mais delirantes expectativas de Bruxelas: conseguiu uma revolução demográfica silenciosa, sem consulta popular, sem estudos de impacto sérios e sem plano para integração. Resultado? Milhares de pessoas a chegar, sem filtro, sem estrutura e sem nada além da promessa de “dinamizar a economia” com framboesas, tuk-tuks e TVDEs. Um sucesso para quem manda — uma bomba-relógio para quem fica.
E como se recompensa um tal feito? Simples: uma promoção para o camarote VIP da União Europeia. António Costa foi presenteado com a presidência do Conselho Europeu como quem recebe um diploma de mérito de colégio interno, entregue em cerimónia discreta mas com champanhe francês.
Em Portugal, ficámos com a conta: mais pressão sobre serviços públicos, mais guetos mal disfarçados, mais precariedade, mais discursos bonitos a prometer integração que nunca vem. Lá fora, Costa é o exemplo perfeito do aluno exemplar — aquele que faz tudo sem refilar, cumpre todas as metas e ainda sorri para a fotografia com a Ursula.
No fundo, é isto: ser obediente compensa. Basta não fazer ondas, engolir tudo — e quem sabe um dia também viajarás em classe executiva entre Estrasburgo, Bruxelas e Luxemburgo. E poderás assinar tratados e declarações com canetas cerimoniais, enquanto cá dentro continuam a chegar mais pessoas do que o país sabe integrar.
O Futuro da União: Riscas na Bandeira e um Belga a Governar
E quanto aos próximos 40 anos? Ah, aí é que o delírio ganha cor. Se tudo correr como os burocratas sonham, vamos deixar de ser países e passar a ser regiões administrativas com bandeira. Os Estados Unidos da Europa estão a caminho — já temos as estrelas, só faltam mesmo as riscas.
Portugal será rebaptizado como “Região Atlântica-Sul”, terá um governador federal em Lisboa (provavelmente um belga) e um orçamento controlado diretamente por um algoritmo em Frankfurt. O Presidente da República passará a ser uma mascote cerimonial e o Primeiro-Ministro um gestor de condomínio com acesso ao Excel europeu.
Teremos uma Constituição Europeia comum, onde a palavra “fado” será substituída por “resiliência”, e a língua oficial será o francês, não por utilidade, mas porque é o único idioma onde se pode errar com estilo.
Vamos ter um exército europeu com capacetes de papel reciclado, quotas obrigatórias para minorias sexuais em cada batalhão de infantaria, um hino europeu que ninguém sabe cantar e eleições pan-europeias onde escolheremos entre um tecnocrata holandês e um comissário sueco especialista em marketing político.
E Portugal? Continuará a ser o que sempre foi: simpático, acolhedor, obediente. Com sol, peixe grelhado e um PIB modesto. Mas agora com a distinção de financiar parte do progresso dos outros, enquanto faz relatórios sobre o insucesso da sua própria coesão.
Resta saber se, daqui a 40 anos, ainda existirá um país chamado Portugal… ou apenas uma Área de Conservação Turística UNESCO, onde o português será falado por meia dúzia de guias reformados, perdido num caldeirão linguístico de nepalês, hindi, urdu e bengali. Uma faixa costeira de património empacotado, gerida em franchise por operadores globais, orgulhosamente reconhecida como o país da Europa com mais mesquitas per capita, pagodes nepaleses a coroar rotundas, vacas sagradas a passear-se solenemente pela Ribeira e cremações hindus ao ar livre no Terreiro do Paço, para deleite dos turistas de mochila e selfie-stick.
A Obediência Também Se Celebra
Sim, senhora Europa. Sim, somos perfeitos bichos de estimação. Sentamos quando mandam. Rolamos quando pedem. E mordemos, claro — mas só as próprias caudas, que é para não ofender ninguém lá em Bruxelas. Celebramos com pompa estes 40 anos de União Europeia como se estivéssemos num casamento feliz… ignorando que somos os únicos a dormir no sofá e a pagar as contas da casa sem ter voto na decoração.
Mas olhem que temos orgulho, muito orgulho! Temos a caneta de 1985, cuidadosamente embalsamada em vitrine. Temos autoestradas que começam em lado nenhum e acabam num estadio de futebol. Temos cursos financiados com powerpoints de 1999 sobre inovação disruptiva e sustentabilidade com palhinhas de papel. Temos políticos que dizem “sim” em cinco línguas — e “não” só em privado, quando ninguém grava.
E agora que continuamos a receber, mas cada vez com mais condições, relatórios e fiscalizações à lupa, sorrimos com a dignidade de quem assina papéis que não sabe bem se vai conseguir justificar. Porque o futuro, dizem-nos, é brilhante — pelo menos para quem for suficientemente dócil, sorridente e bem-comportado para, um dia, ser promovido a ir para fora… mandar em quem ficou cá dentro.
Sim, porque em Portugal há duas formas de ter poder: ou és eleito cá e finges que decides, ou sobes a Bruxelas e mandas nos que cá fingem. E esse, meus caros, é o verdadeiro milagre europeu.